ENSINO JURÍDICO: da base à técnica - Mayara Pereira Amorim

Artigo

03 Abril, 2023

ENSINO JURÍDICO: da base à técnica 


    A compreensão do ensino educacional como um todo vem sofrendo constante transformação. Na sociedade atual a forma de comunicação é estabelecida, prioritariamente, por ferramentas tecnológicas. O ensino jurídico, por ser parte integradora da sociedade, não fica alheio a essa mudança. Os atos de comunicação, ensino e interlocuções perpassam, por meio da linguagem, as nomeações. No ato de nomear, ressalta-se que "é na linguagem que se mantém, como transcendência da palavra em relação à coisa nomeada, a diferença na identidade, que une e separa, no corpo mesmo dos signos, o significante e o significado" (PLATÃO, 2014, s.p.). Apesar das mudanças na utilização das ferramentas para se estabelecer a comunicação, a capacidade interpretativa e a transmissão do conhecimento de forma inteligível permanecem.
    No contexto jurídico, as matérias consideradas abstratas como Teoria do Estado, Filosofia Jurídica, Ciência Política, Sociologia do Direito e demais disciplinas propedêuticas são direcionadas a uma cultura equidistante da técnica. Eis aqui um ponto problemático! Os conceitos básicos, especificamente ministrados por essas disciplinas (e não somente elas) têm o potencial de fornecer os pilares para a formação crítica de uma pessoa que pretende trabalhar no âmbito jurídico em seus variados ramos. Posto que, no atual contexto laboral difuso e em sistemáticas alterações, exige-se a ampliação do conhecimento, ou seja, "a capacidade de aplicar o conhecimento a novas situações e a diferentes domínios" (EPSTEIN, 2020, p. 47).
    A teoria jurídica tradicional leciona que "a ciência jurídica pode descrever o Direito; ela não pode, como o direito produzido pela autoridade jurídica (através de normas gerais ou individuais), prescrever seja o que for" (KELSEN,1998, p. 52). Entretanto, como afirma Tercio Sampaio Ferraz Junior, a teoria dogmática demonstra certos limites, ao passo que "não questiona suas premissas, porque elas foram estabelecidas (por um arbítrio, por um ato de vontade ou de poder) como inquestionáveis" (FERRAZ JUNIOR, 2018, p. 51). Lado outro, a teoria zetética1 privilegia o aspecto de constante questionamento do que está apresentado, colocando em suspenso premissas e conclusões. Assim, "os conceitos básicos, as premissas, os 1 "Zetética vem de zetein, que significa perquirir; dogmática vem de dokein (FERRAZ JUNIOR, 2018, p. 49). princípios ficam abertos à dúvida (...). Esses elementos servem, pois, de um lado, para delimitar o horizonte dos problemas a serem tematizados, mas, ao mesmo tempo, ampliam esse horizonte, ao trazerem esta problematicidade para dentro deles mesmos (FERRAZ JUNIOR, 2018, p. 49).
    Neste ato de constante questionamento, "a partir da conjugação dos diversos tipos de saberes produzidos no campo do Direito (teóricos e empíricos) que se poderá tentar entendê-lo melhor e, com isso, eventualmente, aprimorar os seus mecanismos" (LIMA e BAPTISTA, 2018, p. 13). Dessa forma, busca-se afastar de fórmulas mágicas e estimular o alunado ao ensino jurídico questionador e abrangente, alinhando-se fundamento à técnica.