Desvendando o Direito Público - Proteção a confiança e fato consumado no Direito Administrativo - por Dr. César Babler

Artigo

01 Novembro, 2018

PROTEÇÃO A CONFIANÇA E FATO CONSUMADO NO DIREITO ADMINISTRATIVO 

Em algumas situações excepcionais, a inércia da administração ou a morosidade do Judiciário fazem com que algumas situações precárias se consolidem pelo decurso do tempo, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. É o que a doutrina publicista denomina de "teoria do fato consumado".
Entretanto, a teoria "visa preservar não só interesses jurídicos, mas interesses sociais já consolidados, não se aplicando, contudo, em hipóteses contrárias à lei, principalmente quando amparadas em provimento judicial de natureza precária" - conforme destacou a ministra Eliana Calmon no REsp. 1.189.485.
Vem à baila a situação dos candidatos que não foram aprovados em concurso público, mas que tomaram posse no cargo em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, que tenha sido supervenientemente revogado ou modificado. 
Nesse caso, conforme os Tribunais Superiores, não se caberia alegar a teoria do fato consumado, eis que o administrado, conhecendo de antemão a natureza da decisão, não poderia criar qualquer expectativa legítima na manutenção do ato administrativo. Seria incabível justificar a permanência de alguém que tomou posse em razão de decisão judicial de caráter precário, com fundamento nos princípios da boa-fé e da proteção da confiança legítima.

Assim o STF firmou o Tema de Repercussão Geral nº 476, com base no Leading Case (RE 608482): 
"Manutenção de candidato investido em cargo público por força de decisão judicial de caráter provisório pela aplicação da teoria do fato consumado. Não é compatível com o regime constitucional de acesso aos cargos públicos a manutenção no cargo, sob fundamento de fato consumado, de candidato não aprovado que nele tomou posse em decorrência de execução provisória de medida liminar ou outro provimento judicial de natureza precária, supervenientemente revogado ou modificado".

Todavia, em recente julgado de 14.08.2018 (RE 740.029 AgR/DF), de relatoria do Min. Alexandre de Moraes, o STF aplicou a teoria do fato consumado numa situação peculiar em que uma servidora pública, embora tenha tomado posse no cargo público através de decisão judicial precária, teve em especial o decurso de mais de 21 anos no cargo e a concessão de sua aposentadoria voluntária pela Administração Pública.

O julgado em apreço trilhou pelo princípio da segurança jurídica em sua perspectiva subjetiva, protegendo a confiança legítima e preservando fatos pretéritos de eventuais modificações na interpretação jurídica, bem como resguardando efeitos jurídicos de atos considerados inválidos por qualquer razão, mantendo-se os fatos já consumados e preservando a aposentadoria da servidora, em homenagem até mesmo a dignidade da pessoa humana.

E arrematou o Ministro Alexandre de Moraes, relator:
"A aplicação do princípio da proteção da confiança, portanto, pressupõe a adoção de atos contraditórios pelo Estado que frustrem legítimas expectativas nutridas por indivíduos de boa-fé. Naturalmente, tais expectativas podem ser frustradas não apenas por decisões administrativas contraditórias, mas também por decisões judiciais".