Penal é mais legal - 12 Anos da Lei Maria da Penha: o que temos para comemorar? - por Carolina Defilippi

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10 Agosto, 2018

Nesta semana em que a Lei 11340 de 2006 conhecida como "Lei Maria da Penha" completa 12 anos não temos muitos motivos para comemorar. A lei Maria da Penha nasceu para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e conseguiu muitos avanços nesta área na última década, porém, ao olhar para o noticiário diário vemos que ainda estamos muito longe do ideal de combate a este tipo de violência. 


O feminicídio é o homicídio de uma mulher pela condição de ser mulher. É o homicídio doloso praticado contra a mulher por "razões da condição de sexo feminino", ou seja, humilhando, menosprezando, desconsiderando a dignidade da vítima como mulher, tendo como principais motivações o ódio, o ciúme e o sentimento de posse e pertencimento.


Segundo a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (Relatório Final, CPMI-VCM, 2013) "O feminicídio é a instância última de controle da mulher pelo homem: o controle da vida e da morte. Ele se expressa como afirmação irrestrita de posse, igualando a mulher a um objeto, quando cometido por parceiro ou ex-parceiro; como subjugação da intimidade e da sexualidade da mulher, por meio da violência sexual associada ao assassinato; como destruição da identidade da mulher, pela mutilação ou desfiguração de seu corpo; como aviltamento da dignidade da mulher, submetendo-a a tortura ou a tratamento cruel ou degradante."

O crime de feminicídio foi introduzido no Código Penal pela Lei  13104 em 2015 como uma qualificadora do crime de homicídio, elevando a pena deste para de 12 a 30 anos. E assim passou a integrar também o rol dos crimes hediondos. 

Mas com uma taxa de 4,8 homicídios para cada 100 mil mulheres, segundo os dados do Mapa da Violência de 2015 (Cebela/Flacso), o Brasil é um dos líderes do ranking mundial, estando na quinta posição entre 83 nações. Em 2017, segundo O Conselho Nacional de Justiça, 10786 processos de feminicídios aguardavam julgamento na Justiça brasileira. 

"Essa situação equivale a um estado de guerra civil permanente." diz Lourdes Bandeira, socióloga, pesquisadora e professora da Universidade de Brasília.

E esses números correspondem aos casos que chegam ao conhecimento das autoridades. De acordo com o Relatório Human Rights Whatch de 2018 apenas ¼ das mulheres que sofrem violência reportam a agressão à polícia. E este é um dos grandes problemas.

É muito raro que o feminicídio seja a primeira violência existente entre aquele autor e aquela vítima. Normalmente a série de violência se iniciou muito antes: primeiro com xingamentos, humilhações verbais, depois com empurrões, tapas, evoluindo para agressões físicas mais sérias e culminando com a morte. 

A violência contra a mulher usualmente passa por um ciclo de três fases: a fase de tensão que se caracteriza por agressões verbais, crise de ciúmes, destruição de objetos e ameaças. Nessa fase a mulher procura acalmar o agressor, evitando discussões, e assim vai tornando-se mais submissa e amedrontada. Em diversos momentos a mulher sente culpa e se acha responsável pela situação de violência em que vive, quando não procura desculpar a atitude violenta do parceiro com o cansaço, uso de drogas e álcool. A segunda fase do ciclo é a fase de explosão: essa fase é marcada por agressões verbais e físicas graves e constantes, provocando ansiedade e medo crescente. Essa etapa é mais aguda e costuma ser mais rápida que a primeira etapa. E a terceira e última fase é a fase de lua de mel. Depois da violência física, o agressor costuma se mostrar arrependido, sentindo culpa e remorso. O agressor jura nunca mais agir de forma violenta e se mostra muito apaixonado, fazendo a mulher acreditar que aquilo não vai mais acontecer.

O problema é que as estatísticas mostram que é muito comum que esse ciclo se repita, cada vez com maior violência e menor intervalo entre as fases e muitas vezes ele termina em uma lesão física grave ou homicídio.

Mas não é fácil para a mulher romper com esse ciclo por diversos motivos e os principais são que nesses casos a vítima tem ligação afetiva com o agressor, tem medo de sofrer uma violência ainda maior, tem vergonha dos vizinhos, dos amigos e da família, tem medo de prejudicar o agressor e os filhos, não quer que o pai de seus filhos vá preso ou não acredita na Justiça, se sente culpada e/ou responsável pela violência que sofre, tem a sensação de fracasso e culpa na escolha do parceiro, não possui condições financeiras para mudar o rumo de sua vida ou já perdeu sua identidade, sua autoestima e autoimagem. 

Se realmente quisermos diminuir o número de feminicídios no país teremos que nos despir de preconceito, parar de julgar as vítimas e ouvir seus pedidos de socorro. O julgamento é o maior obstáculo à comunicação. Sejamos sensíveis! A mulher que sofreu violência foi e está se sentindo muito humilhada. Ela precisa de ajuda.

Nenhuma relação pode consumir a saúde mental de uma mulher a ponto dela questionar o seu valor, o seu lugar no mundo, suas conquistas, aquilo que ela é ou construiu. Ninguém pode se apropriar de sua essência a ponto de culpá-la mesmo quando não há culpa e assim matá-la... interiormente ou literalmente.